Confundido com dislexia, problema é marcado
por falta de adaptação ao contraste, como claro e escuro, e há
distorção da percepção na leitura, como se texto e palavras estivessem
tremendo
Junia Oliveira -
Publicação: 19/09/2012 06:00
Atualização: 19/09/2012 09:41
Pais cujos filhos têm dificuldade de leitura e, por isso, foram
identificados como disléxicos devem ficar atentos e insistir no
diagnóstico. O problema pode ter cura e a criança fazer parte, na
verdade, de 15% da população portadora da síndrome de Irlen. Trata-se de
um distúrbio do sistema visual que tem como sintomas mais comuns a
dificuldade de adaptação à luz, desorganização espacial (noção de
direita, esquerda, em cima e embaixo) e desconforto com o movimento e
com figuras complexas e de alto contraste, como as zebradas. Tudo isso
impacta os pequenos, principalmente por afetar a coordenação da
movimentação ocular, e, consequentemente, prejudicar a leitura. Assim
como a dislexia, manifesta-se com intensidade variável, mas é um
problema oftalmológico demonstrado clinicamente e que tem tratamento.
O
primeiro conceito de dislexia é de autoria do médico britânico W.
Pringle Morgan e foi descrito no fim do século 19 para identificar as
crianças que não conseguiam ler, apesar do acesso a uma boa educação. O
diagnóstico moderno também tem uma descrição vaga e ampla, de acordo
com o oftalmologista Ricardo Guimarães, fundador e diretor do Hospital
de Olhos de Minas Gerais, que a descreve como uma síndrome neurológica
complexa que se manifesta de forma extremamente heterogênea.
Guimarães
ressalta que todos os casos de síndrome de Irlen que não são
identificados como tal acabam com diagnóstico de dislexia. “De maneira
geral, observamos uma tendência de usar essa classificação como qualquer
condição que afete o aprendizado e sobre o que não se sabe exatamente o
que é. É mais um diagnóstico de exclusão – não é mais nada, então é
dislexia – do que efetivamente de afirmação. É um termo não médico, mas
educacional, para falar da dificuldade de leitura. O grande esforço que
fazemos é tirar a Irlen desse saco comum”, diz.
Uma a cada seis
crianças é portadora da síndrome, tem dificuldades de leitura, mas sai
do consultório oftalmológico com um diagnóstico acima de qualquer
suspeita. Isso porque o tradicional teste das letrinhas, ou teste de
Snellen, trabalha com vogais e consoantes paradas e espaçadas, enquanto o
portador de Irlen a enxerga de outra forma no dia a dia. A chefe do
Departamento de Distúrbios de Aprendizagem Relacionados à Visão do
Hospital de Olhos, Márcia Guimarães, explica que é importante avaliar a
criança em algumas atividades. “Por que ela lê a primeira e a segunda
frases e depois diz que está cansada, fala que quer ir ao banheiro,
beber água? Tem algo na atividade nada confortável e aquilo se torna
penoso”, avalia a médica.
TESTE DIFERENCIADO Márcia explica que,
nesses casos, é preciso fazer o teste da visão em funcionamento, ao
contrário do exame oftalmológico clássico. A avaliação deve excluir a
instabilidade da movimentação ocular. “Quando lemos, normalmente
movimentamos os olhos de três a quatro vezes por segundo. Para saber se a
pessoa lê ou não, não posso me ater a ver se ela enxerga ou não a
letra pequena, mas se enxerga e se movimenta bem os olhos da esquerda
para a direita numa velocidade rápida e constante e com os dois olhos
em sincronia”, afirma.
A médica acrescenta que, muitas vezes, a
dificuldade que se transforma numa aversão à leitura está relacionada
ao contraste do branco com o preto no papel, deixando a criança sem
saber no que prestar atenção. Quem sofre de Irlen não consegue se
adaptar ao contraste (claro e escuro ou preto e branco) e, nesse
trabalho, costuma ter distorção de percepção, sentindo como se o texto
estivesse mexendo e a palavra, trêmula. Márcia acrescenta ainda que o
diagnóstico de Irlen e de dislexia devem ser feitos separadamente. Quem
percebe a dislexia é o professor e o pedagogo e, apenas recentemente,
se tornou um problema médico. Mas, no teste da letrinha, somente cerca
de 15% das informações visuais envolvidas no aprendizado são supridas. O
restante não é considerado.
"A leitura é a base do aprendizado
na nossa sociedade. Quando não consegue aprender, a criança acaba
alijada do processo de integração social e vai até, no máximo, o ensino
fundamental. Eles são inteligentes, estratégicos e espertos, mas não
se saem bem na sala de aula. O olho lacrimeja e coça. O aluno procura
alternativa, fica disperso, começa a se mexer na cadeira, é rotulado
como desatento, sem educação, hiperativo e acaba saindo da escola",
diz. Os testes feitos no hospital verificam como a criança enxerga com
luz natural e artificial – na luz fluorescente, o menino vê a letra se
mexendo. Por meio de transparências de cores específicas, eliminam-se
essas distorções levando de imediato a uma leitura mais fluente e
compreensível. Márcia Guimarães destaca que as transparências são um
recurso assistivo, não invasivo, de baixo custo e alta resolutividade,
que potencializam o efeito das intervenções multidisciplinares mesmo na
própria dislexia, se houver déficits visuais envolvidos.
O
médico Ricardo Guimarães adverte que nem todos os oftalmologistas estão
aptos a detectar a síndrome de Irlen nos consultórios. Segundo ele, a
parte da visão relacionada à doença, a subcortical, ainda é uma "parte
oculta do iceberg", daí a dificuldade de muitos profissionais em
compreendê-la. "O que está comprometida é a visão subcortical, que nos
dá a orientação. O que estudamos no consultório é a cortical, a
capacidade de classificar os objetos", explica.
Ele acrescenta
que os novos estudos da neurociência não foram plenamente incorporados
na prática clínica. "Nossa medicina é muito voltada para o balcão.
Conhecimentos que não envolvam produtos, ou seja, medicamentos ou
técnicas, acabam tendo uma divulgação menor que aqueles com laboratório
atrás fazendo propaganda. A maneira pela qual se faz o teste não
envolve e não depende do instrumento mais importante do diagnóstico do
teste oftalmológico, o de Snellen, mas exige do médico ficar com o
paciente mais de uma hora no consultório. E hoje ninguém quer isso."
Dificuldade não está relacionada à inteligênciaA
chefe do Departamento de Distúrbios de Aprendizagem Relacionados à
Visão do Hospital de Olhos, Márcia Guimarães, observa que, ao contrário
da Irlen, detectada pelo oftalmologista, a dislexia envolve uma equipe
multidisciplinar, com oftalmologistas, neurologistas, terapeutas e
fonoaudiólogos, sendo identificada de diversas maneiras por cada
profissional. A médica ressalta ainda que ela se manifesta de várias
formas. Há pacientes com disortografia (ou disgrafia) e não consegue
escrever corretamente; há aqueles que escrevem, mas no momento da
leitura não pronunciam o som; e há ainda os casos de dificuldade com a
matemática (discalculia), além da dislalia (troca da letra "l" pelo "r",
por exemplo), além da dificuldade para diferenciar letras invertidas,
como "d e "b", "p ou "q".
“O que chama a atenção é que a
dificuldade não tem nada a ver com o grau de inteligência da pessoa. É
alguém aparentemente normal, inteligente, com todas as facilidades de
expressão, mas na hora de escrever surge a dificuldade. Por isso a
criança evita escrever, porque começa a trocar letras e fica sem
entender o que ocorre", relata Márcia. Segundo ela, normalmente, os
portadores da doença, que atinge de 8% a 12% da população mundial, têm
inteligência acima da média, pois, para driblar a deficiência, se
esforçam além dos outros. "São pessoas extremamente talentosas em outras
áreas, como em processamento espacial (montagem de quebra-cabeça e
peças tridimensionais). Dão soluções imediatas a problemas matemáticos.
Geralmente, são artistas, poetas, comediantes, pessoas que lidam com o
lado da criatividade. Conhecimento padrão para eles é muito difícil",
acrescenta.
A suspeita de dislexia recai depois dos 9 anos,
quando a criança já foi exposta a um estímulo de escola mais intenso. A
médica ressalta que há pouco tempo examinou uma família de empresários
do ramo de supermercados de Belo Horizonte, em que todos os irmãos são
dislexos. Eles adotaram uma estratégia de estudo em grupo. Enquanto um
lê, os outros escutam. "A dificuldade pode ser na aquisição da
habilidade de leitura ou no que a pessoa lê. Deve prestar tanta atenção
no que está lendo a ponto de não conseguir se lembrar do conteúdo no
fim do texto. Toda a atenção é desviada para decodificar o som",
completa.
Fonte:
Estado de Minas