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29 de jan. de 2013

Aprendendo a esperar

Melina Pockrandt

A habilidade de controlar os impulsos com o intuito de obter adiante alguma vantagem ou objetivo desejado. Assim é definida a capacidade de adiar recompensas, atributo exclusivo dos seres humanos e componente fundamental da inteligência emocional. Segundo Norita Dastre, psicopedagoga e pedagoga com extensão em Neurociências da        Aprendizagem, essa habilidade faz com que o indivíduo saiba aguardar o tempo adequado para ser recompensado por suas ações ou seus comportamentos, seja no âmbito familiar, social, profissional ou acadêmico. “Podemos perceber já em crianças bem pequenas a baixa tolerância à frustração por não obterem instantaneamente aquilo que desejam. Essa incapacidade de aguardar o tempo certo para ter o que se quer está se tornando um grande problema social, e a mídia tem colaborado demasiadamente para isto”, considera.

A especialista afirma que é possível – e necessário – que pais e professores trabalhem para contribuir no desenvolvimento da capacidade de adiar recompensas, já que crianças que não apresentam essa habilidade estão mais propensas a demonstrarem características como birra, irritação e raiva, hiperatividade ou apatia, tristeza ou depressão, choro fácil, reação negativa diante de situações novas e impulsividade. Além disso, têm dificuldades em seguir regras, enganam as pessoas para conseguir o que querem e buscam estar sempre em vantagem. “O professor e todos educadores da escola – [incluindo também] porteiros, inspetores, coordenadores, diretores, funcionários da limpeza, secretários, vigias e funcionários da cantina – podem observar facilmente alguns sinais como esses: a criança pode apresentar até mesmo agressividade diante das lições – quando não consegue realizá-las –, tentar burlar as regras das brincadeiras a seu favor e sempre dar um jeito de ser o primeiro na fila da cantina”, exemplifica Norita.

Os pais – com o apoio de avós, tios, professores e outros adultos do convívio da criança – são os principais responsáveis por promover o desenvolvimento da capacidade de adiar recompensas desde muito cedo. “O incentivo à repetição de atitudes inibidoras da impulsividade e da ansiedade, objetivando aguardar o recebimento de uma recompensa, um prêmio ou um presente, é fundamental, e todos os adultos que participam como educadores das crianças e dos adolescentes têm um papel importantíssimo no desenvolvimento desta habilidade”, explica a psicopedagoga. Ela lembra ainda que é importante que haja o controle da exposição a jogos eletrônicos, pois promovem sempre a recompensa imediata, estimulando a impulsividade.  

Desenvolvimento cognitivo e saúde mental

Em 2010, foi publicada a Cartilha do Educador do Projeto Atenção Brasil, com informações referentes a um estudo realizado por neurocientistas do Instituto Glia, com colaboração de pesquisadores da Universidade La Sapienza (Itália), do Albert Einstein College of Medicine (Estados Unidos) e da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto(São Paulo). Com o objetivo de revelar um retrato da saúde mental da infância e adolescência, o projeto fez um levantamento nacional de dados, entrevistando pais e professores de mais de 9 mil crianças e adolescentes das cinco regiões do país.

Segundo consta na cartilha, para 65,1% dos pais, os filhos são capazes de adiar recompensas, e para 34,9%, não. Já os professores disseram que 60,9% das crianças e adolescentes da amostra são capazes de adiar recompensas, ao contrário de 39,1% das crianças. Com base nessas informações, foi possível constatar a relação entre essa habilidade e o desenvolvimento cognitivo e saúde mental: o estudo mostra que crianças e adolescentes que não possuem a capacidade de adiar recompensas apresentam uma chance duas vezes maior de ter baixo rendimento escolar e risco 2,9 vezes maior de desenvolver transtornos mentais. “Os resultados obtidos no Projeto Atenção Brasil reforçam a importância de educarmos nossos filhos estimulando essa habilidade, sobretudo nos dias de hoje, em que uma maciça e subliminar propaganda tenta atraí-los na direção contrária – a do prazer desenfreado e imediato. Para alguns estudiosos, essa tendência guarda relação com epidemias modernas como a do consumismo, a da obesidade infantil e a do uso, abuso e dependência de substâncias”, comenta Marco Antônio Arruda, neurologista da Infância e da Adolescência e diretor do Instituto Glia.

O especialista lembra que educar para o adiamento de recompensas é “educar para o autocontrole, para a autodisciplina, e o controle dos impulsos é também educar para a tomada de decisões” – este último, característica importante para o bom rendimento escolar. A psicopedagoga Norita lembra que, graças ao controle dos impulsos, a criança que sabe adiar recompensas direciona melhor o foco da atenção para o que está sendo ensinado. “Assim, a memória é beneficiada pela direção e qualidade da atenção, base da aprendizagem. Esses alunos também planejam melhor a ação para resolver os problemas – como no momento de escrever, ler ou realizar cálculos –, tendo boa elaboração das suas respostas”, comenta.

Por outro lado, as crianças e adolescentes incapazes de adiar recompensas apresentam maior número de dificuldades, hiperatividade e desatenção, dentre outros aspectos que prejudicam o desenvolvimento acadêmico. “Uma criança impulsiva, que tem uma percepção confusa do ambiente e [mantém] a atenção alternada ou dividida por ficar pensando na recompensa a ganhar pela tarefa realizada, certamente enfrentará dificuldades para aprender e terá baixo desempenho acadêmico”, alerta Norita.

A especialista ressalta que esses indivíduos precisam de ajuda, e o olhar atento de professores e pais é muito importante para esse diagnóstico. “Essas crianças estão expostas aos fatores de risco para a saúde mental, podendo desenvolver problemas emocionais, de conduta, déficit de atenção e transtornos mentais que repercutirão no seu desempenho acadêmico. Caso esta situação não receba intervenção da escola e da família, se arrastará por toda a vida da criança, lhe causando muitos prejuízos”, ressalta.

Sistema de recompensas

Segundo Arruda, os professores podem contribuir para ajudar os alunos a aprenderem a adiar recompensas e a controlar seus impulsos. Ele sugere que o professor crie um sistema de recompensas, baseado em determinadas condutas ou objetivos que sejam relevantes. “A princípio, [a recompensa] pode ser de caráter imediato: os alunos que atingirem os objetivos propostos recebem a recompensa no final do dia. Depois, isso passa a ocorrer no dia seguinte, semanalmente, e assim por diante”, comenta. Com o tempo, o professor pode estipular objetivos mais difíceis e recompensas mais atraentes, que exigem maior esforço e maior tempo de espera dos alunos.

Por dentro do cérebro

O cérebro é um órgão que começa a aprender desde a sua formação. Ele se modifica de acordo com as experiências da pessoa e aprende por meio do exercício. “Durante estas experiências, sinapses (conexões nervosas cerebrais) são criadas e fortalecidas pela repetição. Caso estas sinapses não sejam estimuladas a se fortalecerem por repetidas vezes, pelas experiências, serão eliminadas. Assim como os músculos se enfraquecem pela falta de exercícios”, explica a psicopedagoga Norita Dastre.  A especialista explica que alterações podem ser feitas na forma de pensar, e que estimular a criação de novas conexões neurais visando à aprendizagem de novos comportamentos é possível. “Portanto, esta capacidade pode e deve ser estimulada desde a primeira infância, pois assim a criança vai criando novas sinapses e as fortalecendo pela experiência repetida.”


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Fonte: Revista Gestão Educacional


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