O Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é o transtorno neuropsiquiátrico mais frequente da infância e se caracteriza por sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade (1). Esse transtorno neurobiológico, uma das condições
médicas mais estudadas na infância, provoca um expressivo impacto (prejuízo) na vida do portador, de sua família e da sociedade o que o torna um problema maior de Saúde pública em todo o mundo (3).
Apesar da variabilidade nos achados de prevalência do TDAH ao redor do mundo, um estudo de metanálise realizado por Guilherme Polanczyk estimou a prevalência mundial em 5,3% (4).
Entre as variáveis que podem interferir nas taxas de prevalência as principais são a necessidade de múltiplas fontes de informação (pais e professores) e a necessidade de presença de prejuízo provocado pelos sintomas em vários contextos da vida da criança, aliás, esses requisitos constam entre os critérios diagnósticos do TDAH pela DSM-IV.
Estudos realizados no Brasil reportam taxas de prevalência bastante discrepantes que variam de 0,9 a 26,8% (5, 6). Os que mostram taxas mais baixas requerem prejuízo e múltiplas fontes de informação para o diagnóstico e variam de 0,9 a 5,8% (5, 7), o oposto é observado nos estudos que não consideram obrigatórios esses requisitos (6, 8).
Em um estudo piloto que realizamos na cidade de Santa Cruz das Palmeiras com o objetivo de obter dados descritivos para a fase nacional de pesquisa, obtivemos uma prevalência do TDAH de 6,1% numa amostra de 1.856 crianças da rede pública municipal .
No Projeto Atenção Brasil tivemos a oportunidade, única até aqui, de avaliar a prevalência do TDAH em nosso país utilizando os critérios da DSM-IV em questionários validados e aplicados aos pais e professores de mais de 8 mil crianças e adolescentes de 87 cidades, 18 estados e 5 regiões do Brasil. A casuística final, com todas as informações completas além de um consentimento pós-informado, foi de 5.961 crianças e adolescentes de ambos os sexos (49,8% meninas), idade entre 6 e 18 anos, sendo 88,4% deles estudantes da rede pública de ensino.
A prevalência nacional de TDAH obtida no estudo foi de 4,1%, sendo significativamente mais frequente em meninos (6,7% vs. 2,1% em meninas), em crianças das classes C (4,9%), D e E (7,4%) do que nas de classes A e B (3,8%).
Essa maior prevalência do TDAH em classes sociais mais baixas é reportada na literatura e está relacionada a condições maternas, gestacionais e pós-natais diversas. Um desses aspectos que nos chamou a atenção no estudo foi a maior prevalência de TDAH em crianças e adolescentes expostos intra útero ao tabaco ou ao álcool. A prevalência foi de 5,9% em filhos de mães “fumantes passivas” e 7,3% nos filhos de mães “fumantes ativas”. Essa prevalência foi de 3,1% nos filhos de mães que não tiveram contato com tabaco durante a gestação. Achados semelhantes encontramos na comparação da prevalência de TDAH entre filhos de mães que ingeriram álcool durante a gestação (9,5%!) e filhos das que não ingeriram (4,0%). Tendo como base esses achados estimamos que cerca de 2,9 milhões de crianças e adolescentes brasileiros são portadores de TDAH, sendo a devastadora maioria deles de classes sociais mais baixas e não tendo acesso adequado para o diagnóstico e tratamento.
Ao avaliarmos a prevalência do uso de psicoestimulantes, medicamentos utilizados para o tratamento medicamentoso do TDAH, ficamos surpresos ao constatar que apenas um quarto dos que estavam em uso dessas medicações preenchiam os critérios da DSM-IV, sendo a maioria deles de classes sociais mais altas. No entanto, o que realmente nos chocou foi que 60% dos portadores de TDAH nunca foram diagnosticados e apenas 13% estavam em tratamento com psicoestimulantes . Esse dado sim retrata a realidade da maioria das crianças e adolescentes portadores de TDAH em nosso país.
Como bem salientou o Guilherme Polanczyk, coautor desses estudos, à Folha de São Paulo, é possível que haja a interferência de um viés que seria o controle dos sintomas pelos psicoestimulantes “negativando” os critérios da DSM-IV. Por outro lado, preocupa a possibilidade de que os médicos brasileiros não estejam utilizando esses critérios internacionais no diagnóstico do transtorno ou que uma possível pressão social esteja interferindo na prescrição desses medicamentos.
De qualquer forma, vejo a saída sempre na direção da educação, seja na capacitação de pais e professores sobre o TDAH, seja na elaboração de programas de Saúde pública e de educação médica continuada, atualizando o profissional na abordagem e tratamento desse transtorno que causa consequências desastrosas na vida do portador, da sua família e de toda a sociedade.
Fonte: Comunidade Aprender Criança
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